Monday, September 25, 2006

era assim

Vens daí com esse sorriso levado da breca como quem já sabe o que me passa pela cabeça, como quem sabe de cor a coerência dos meus pensamentos. Já não te sentas cuidadosamente no sofá, passaste a atirar-te por teres percebido "que é mesmo fixe ver a pessoa ao lado saltar". Perdeste aquela pontada chique que nos arrasava de confusão quando mascavas desagradavel e desajeitada as pastilhas gorila que se vendiam no cafezinho aqui ao lado. Também as substituíste. Agora mascas trident ou chiclets por achares que já perdeste a idade de comer pastilhas de cinco centímetros de diâmetro de boca escancarada. "As trident dão-me outro ar, pareço outra e cheiram diferente!". É um facto e também o é que perdeste a graça. Essas dicotomias valiam-te como uma personalidade. Elas eram-no, de verdade. Há coisas que não duram sempre, bem sei, mas essa mudança é brusca e traiçoeira. Vinhas dizer-me que não sei do que falo, que faço sempre os juízos errados. Depois fazias a comparação ridícula; "é como um barbeiro que tem uma lojinha antiga nos Fanqueiros achar que é barra em computadores!". Dizias sempre no mesmo tom, usavas sempre a mesma expressão e movias as mãos e os braços como se as paredes não existissem. Alguma vez te disse como me agonia a forma como conversas com as mãos? Ficas exagerada de expressão porque a mim bastam-me os teus olhos. Nem precisas de falar. Mas se não o fizeres vai morrer a tua imagem porque tu sempre me apareces com a companhia da tua voz amachucada. Chegavas lá a casa e corrias as cortinas, abrias as janelas de um lado ao outro e punhas-te a fumar. Seguravas o cigarro entre o terceiro e o quarto dedos e parecia que ele entrava nas nossas conversas. Dançava no ar obedecendo ao inevitável movimento das tuas mãos. Então o fumo fininho ficava desenhado no ar até se esbater. As tuas unhas eram já amareladas por causa desse vício que aprendeste a não querer largar. E ficávamos por aqui a cozinhar e a conversar e eu dizia-te sempre que fosse o que fosse que estivesse para vir, não trocaria por nada a nossa amizade.
E não o fiz.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Maravilhosas descriçoes! Tas la miuda ;)

12:38 PM  

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