Tuesday, January 16, 2007

gaivota

Eu conheço uma gaivota. Uma gaivota que, como as outras gaivotas, ama a liberdade e voa nela, até. Solta as asas e vai por aí, vai muito longe, não a vejo sempre. O ar que a embala parece não lhe servir, é um tamanho acima, mas é tudo o que quer. Mas reparei já que a gaivota volta às vezes a esta terra, regressa a casa e descansa e serve-se do cais que lhe mata a fome. Depois vai de novo, embalada, balançada, de asas soltas. E não a vejo, então. E demora, demora... demora! E às vezes, naquele tapete de praia entre a terra e o mar, encontro marcas pequeninas; umas maiores que outras... mas não avisto gaivota. Então percebo que a gaivota vai vivendo, lá por cima, onde ninguém a vê, de asas soltas e peito inchado mas que regressa a casa, a terra, para dormir e se proteger e vem matar a fome ao mar que, de fúria, agita as ondas verdes e vastas para apagar as marcas que deixou entre elas e a terra. Mas a terra não as esquece, o mar apenas as tapa. A gaivota solta as asas e o vento, filho do ar, festeja-lhe as penas, bonitas, macias. Mas a fome aperta, o cansaço vai pesar. E eu conheço essa gaivota, ela volta para eu a ver, porque eu sou a terra e o mar.

Sunday, January 07, 2007

em contra(da)


Não devemos dizer que não estamos bem. Na verdade o que nos faz querer dizer isso é nada mais do que qualquer coisa menos boa que acontece na nossa vida e muito provavelmente numa altura em que não a esperamos, daí a pensarmos que estamos mal.
É quando não faz sentido, quando menos se espera e isso aborrece, e escava em nós um bocado de pele e rouba outro de sorriso. Depois de mãos à cabeça, depois de choros e gritos quentes começamos a entrar num reconhecimento sem tamanho, ou por outra, de um tamanho que nos transcende. Aquilo podia afinal ter sentido mas doeu como se nenhum sentido fizesse. Mas que estranho é isso que se sente depois, quando nos julgamos já detentores de uma total compreensão mas sentimos ainda o buraco na pele e meio sorriso roubado, que deixa a outra metade a rir em dobro, a mentir em solo? Como quem tem fome mas não força para trincar. E depois vamos deixando isso adormecer, vai andando com um pé à frente, outro atrás, e olhamos a nossa figura ridícula e pequenina que nos soa parada, estagnada. Cai água da cara e depois sobe o sono. E é confuso tudo isto mas dá a certeza de que se vive, de que se sente! E é amargo e é azedo e um bocadinho de nada salgado... Escalda mas espera-se que arrefeça.
Depois chega alguém que nos diz "Deixa, pequenina, já vai passar! Vamos para casa.".
É aqui que penso tomar consciencia de todas as coisas, no seu todo. Sempre alguém que não me desapareça da vista, porque me tem meio sorriso. Enquanto esta metade sorri em dobro aproveito para te dizer que a cova na pele, lembras? Vai sarar!