Thursday, July 27, 2006

cá está

E eis senão quando chega! O fim dos meus dias numa prisão ao acaso inventada, aqui mesmo em casa. Pequenina com castigos que alargam outros conhecimentos e encurtem tantas outras coisas que há lá fora, depois da grade que realmente não existe. Existe... existe na minha cabeça.
Chega o fim desses dias e com ele a vontade pesada de "apetece". E desço a uma Lisboa mais baixa, a uma mente libertina de compaixões e braços torcidos. E lá chama o enorme caudal que enriquece a nossa cidade, o Tejo apela a nossa visita. Eu sinto que ele sente a nossa falta. Seria de estranhar o contrário, mas eu sinto também saudades dele, ainda que me baste abrir a janela da sala. Posso vê-lo sempre que quero. Mas as saudades que sinto são um todo, uma misturada bem concebida de paixão, segurança, peles curtidas pelo sol, e o desafogo de ter perto a importância extrema que costuma estar longe. E por outros fumos e outras gotas, um momento que dá a sensação de ser para sempre, não sei explicar. Talvez eu fosse capaz de parar para sempre num momento como aquele. Mas é isso que sinto, isso que me parece tão rara felicidade, isso que vou fazer com que dure, com que permaneça, com que me faça apetecer coisas dessas, ainda que não as possa ter sempre.
Isso, aliás, torna isto muito mais interessante, muito mais difícil. Impossível é que não... Não com isto que sinto aqui.

Wednesday, July 19, 2006

insectocracia

Minhocas azuis e vertebrados transparentes continuam debaixo de fogo por tempo indeterminado. Cidadãos revoltados fazem frente às autoridades. Civis inocentes explodem.
Vermes!

Thursday, July 13, 2006

invulgar


Pareceu-me ouvir a porta ranger... Sim, estou quase certa de que alguém entrou aqui, devagarinho. É que eu ouvi a porta; sim, eu ouvi a porta. E não me dou ao trabalho de me levantar depressa, acender as luzes da casa toda e sorrir só de imaginar ver-te. Sim, é verdade que imagino tudo isto mas não me movo um centímetro, tenho o lençol aconchegado e as pernas traçadas da maneira exacta que procurei a noite toda. Não me mexo, estou inerte e vou ficar até que me encontres tu. Mas é que aquele sorrisinho de menina que costuma desenhar-se na minha cara, por baixo do meu nariz, desapareceu! Puff, desapareceu! É! Deu lugar a umas rugas no queixo. Estranhas rugas de expressão que agora estão constantemente comigo ora sim ora então... Mas bom, em todo o caso a minha alma caiu ao chão e ficou rachada. Como um prato de loiça antiga, muito antiga, que levou muitos encontrões nas mudanças várias de casa. Mas continua inteiro, não se sabe explicar como. É um prato invulgar.
A porta não range mais, pus-lhe óleo. De qualquer modo espero que chegues na mesma porque quero falar, preciso de conversar e a conversa não é habitual, desta vez... E as tais rugas de expressão... lembras? As do queixo... continuam a não me abandonar. É misto isto que sinto mas mesmo assim não teclo o telefone portátil, não o vou fazer. Não esqueças que a minha alma está rachada, está sensível mas a recuperar. É invulgar, não a desprezes dessa maneira! Por favor, não o faças!

Wednesday, July 12, 2006

mente, a verdade

Sei de cor a conversa... e decorei a imagem de coisas que gostava que fossem só minhas.

Thursday, July 06, 2006

dói

Quando me invadem estas coisas encho as mãos de tinta e parece que as telas são todo o desafogo e tudo o que me espera. Eu também espero mas nada me aparece e na grande parte das vezes sinto-me sozinha. Espero um bocadinho mais e fico mal cá dentro e tudo, de repente, sai de mim e só volta a entrar depois do sono, depois da ausência mental a que me obrigo porque sei ser uma necessidade. E o chá e os biscoitos ficam atirados em cima da mesa porque agora não há abrigo. E o céu e o sol nítidos e perto e o limite de estuque e cimento que me prende aqui.
E tu e todos, longe e, pior, ausentes. E isso, que me esvazia ainda mais...
Eu espero pelos dias que me vão fazer sorrir mas agora sinto-me esquecida...

Saturday, July 01, 2006

trilogia paralela

Na família, como em tudo, há sempre os mais especiais, por quem guardamos um carinho diferente. Não falando nas pessoas que conosco habitam a mesma casa, ouvem os nossos lamúrios e gargalhadas ao longo dos tempos, partilham conosco o sofá da sala e os talheres. Não falando naqueles a quem conhecemos a maneira de abrir a porta de casa, há outros que, ainda que ligeiramente mais distantes, por uma qualquer razão em determinado período da nossa vida, parecem mais especiais aos nossos olhos e que, de verdade, o são.
Também comigo isso acontece. Há certo núcleo familiar paralelo ao meu que desde sempre me causa fascínio. Talvez pela minha sensibilidade artística, que me define na minha quase totalidade. Estes três de quem falo têm, no seu todo e em cada um, coisas que me definem, coisas que ambiciono. Porque a arte mora com eles na mesma casa e com ela pequeninos dos seus complementos.
Lembro-me, até, do cheiro a arroz-doce, dos cabelos compridos e bonitos, do "tira a chucha, ficas feia!" que me dizias. Vamos ao cinema, ou almoçar. Mais tarde, os ideais políticos, o chamamento da arte e com ela, a música. Então, a tua arquitectura, o "xilofone" dele e a melodia de tudo e de mais nada que mora convosco. Depois, o começo de definição de traços físicos que foram passados na mesa de luz por cima dos teus. Ainda os psicológicos, de maledicência do sistema e a minha enorme admiração pela sobrevivência e aí entra o que puseste no mundo, tu e ele. E ensina-me muitas coisas e somos iguais nesta coisa dos amores, eu e o teu filho. E lá está, a batalhar e a ser um bocadinho mais libertino. Lá está a desenhar com mais certeza o que quer que seja de futuro. Isso, que também para mim significa uma outra importância, mas não falo dela agora. E essa ambição, essa arte e essa música, essa maneira de viver que me parece a mim e à minha (ainda) pequenez, extraordinária.
Acho que por isso nos basta olhar, as palavras fogem-nos. Tudo na nossa arena ostenta de um silêncio que a mim me soa a melodia, como o "xilofone".